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May 2008

Antologia Poetica de Bertolt Brecht

(via)
Aos que virão depois de nós I Eu vivo em tempos sombrios. Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia. Que tempos são esses, quando falar sobre flores é quase um crime. Pois significa silenciar sobre tanta injustiça? Aquele que cruza tranqüilamente a rua já está então inacessível aos amigos que se encontram necessitados? É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver. Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome. Por acaso estou sendo poupado. (Se a minha sorte me deixa estou perdido!) Dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens! Mas como é que posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo. Eu queria ser um sábio. Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: Manter-se afastado dos problemas do mundo e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; Seguir seu caminho sem violência, pagar o mal com o bem, não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. Sabedoria é isso! Mas eu não consigo agir assim. É verdade, eu vivo em tempos sombrios! II Eu vim para a cidade no tempo da desordem, quando a fome reinava. Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta e me revoltei ao lado deles. Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra. Eu comi o meu pão no meio das batalhas, deitei-me entre os assassinos para dormir, Fiz amor sem muita atenção e não tive paciência com a natureza. Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra. III Vocês, que vão emergir das ondas em que nós perecemos, pensem, quando falarem das nossas fraquezas, nos tempos sombrios de que vocês tiveram a sorte de escapar. Nós existíamos através da luta de classes, mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados! quando só havia injustiça e não havia revolta. Nós sabemos: o ódio contra a baixeza também endurece os rostos! A cólera contra a injustiça faz a voz ficar rouca! Infelizmente, nós, que queríamos preparar o caminho para a amizade, não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos. Mas vocês, quando chegar o tempo em que o homem seja amigo do homem, pensem em nós com um pouco de compreensão.

April 2008

decio pignatari - O LOBISOMEM

O LOBISOMEM O amor é para mim um iroquês De cor amarela e feroz catadura Que vem sempre a galope, montado Numa égua chamada Tristeza. Ai, Tristeza tem cascos de ferro E as esporas de estranho metal Cor de vinho, de sangue e de morte, Um metal parecido com ciúme. (O iroquês sabe há muito o caminho e o lugar Onde estou à mercê: É uma estrada asfaltada, tão solitária quanto escura, Passando por entre uns arvoredos colossais Que abrem lá em cima suas enormes bocas de silêncio e solidão.) Outro dia senti um ladrido De concreto batendo nos cascos: Era o meu Iroquês que chegava No seu gesto de anti-Quixote. Vinha grande, vestido de nada Me empolgou corações e cabelos Estreitou as artérias nas mãos E arrancou minha pele sem sangue E partiu encoberto com ela Atirando-me os poros na cara. E eu parti travestido de Dor, Dor roubada da placa da rua Ululando que o vento parasse De açoitar minha pele de nervos. Veio o frio com olhos de brasa Jogou olhos em todo o meu corpo; Encontrei uma moça na rua, Implorei que me desse sua pele E ela disse, chorando de mágoa, Que era mãe, tinha seios repletos E a filhinha não gosta de nervos; Encontrei um mendigo na rua, Moribundo de fome e de frio: «Dá-me a pele, mendigo inocente, Antes que Ela te venha buscar.» Respondeu carregado por Ela: «Me devolves no Juízo Final?»; Encontrei um cachorro na rua: «Ó cachorro, me cedes tua pele?» E ele, ingénuo, deixando a cadela Arrancou a epiderme com sangue Toda quente de pêlos malhados E se foi para os campos de lua Desvestido da própria nudez Implorando a epiderme da lua. Fui então fantasiado a travésti Arrojado na escala do mundo E não houve lugar para mim. Não sou cão, não sou gente – sou Eu. Iroquês, Iroquês, que fizeste? Décio Pignatari Décio Pignatari nasceu em Jundiaí, São Paulo, no ano de 1927. Começou a publicar poemas na Revista Brasileira de Poesia, integrado no Clube de Poesia, de São Paulo, liderado por poetas críticos da Geração de 45. Em 1952 fundou o Grupo Noigandres, com Augusto de Campos e Haroldo de Campos, oferecendo um forte contribuo para a implementação da Poesia Concreta no Brasil. Tradutor de várias obras, foi um dos fundadores da revista Invenção. Colaborou em vários periódicos, foi professor de Semiótica, publicou ensaios e livros de poesia. Em 1977 reuniu a sua obra poética no volume Poesia Pois é Poesia.